As verdades absolutas - Crônica de Juliano De Ros - 2022
As verdades absolutas
Crônica de Juliano De Ros
Em um curso EAD sobre a história do rock heavy metal promovido por uma grande e reconhecida universidade de Porto Alegre, agosto de 2022, o professor falava aos seus atentos alunos sobre as origens do movimento cultural e do estilo musical.
Dois dias e duas noites, e aquela situação martelando a cabeça de Antônio. Pensa daqui, pensa dali, elabora, analisa suas próprias verdades, relembra, resgata as verdades correntes da época de faculdade, tudo no foco do que era ou não era rock pesado e rock metal, tudo atolado nos anos 80 e 90. Noites em Porto ouvindo a rádio Bandeirantes FM, depois Ipanema FM, Ricardo Barão e seu programa de rock pesado, Katia Suman e outros ícones da comunicação roqueira. Lá, a verdade era que o Black Sabbath era o supra do heavy metal. Era o conceito vigente e todos concordavam com isso. E, de fato o era. Veja só, dizia Antônio para sua filha de vinte e dois anos, as verdades mudam. A gente é que não percebe. No que acreditávamos há vinte, trinta anos, e friso, uma geração inteira botava fé naquilo, hoje virou pó. Não vale mais. Meu consolo filha é que a verdade absoluta de hoje, provavelmente também não o será daqui a vinte anos. A história anda. O novo estará sempre ali à nossa espreita, seja na música, na política, nas convicções pessoais perante os desafios da vida, seja no que for. Não seremos os mesmos, e os que quiserem teimar serão o velho. Velhos de vinte, trinta, cinquenta anos, ou da idade que seja.
Já dizia o poeta louco quando do lançamento do livro Semovente: somos semoventes, seres que se movem, e dava uma risadinha silenciosa com os olhos e o canto da boca. Aí filha, as pessoas ficavam embasbacadas pensando se se tratava das “pedras que rolam não criam limo” ou se ele referia à denominação técnica do gado, na economia e contabilidade. Bem assim, as grandes verdades e conceitos que conhecemos e talvez até os dogmas tenham prazo de validade, alguns, bem curtos, alguns, décadas, outros, até séculos e séculos, mas, é quase certo quanto eles próprios, em algum momento serão página virada no registro da história e na compreensão da mente humana. A filha olhava perplexa para Antônio e sua filosofia de mesa de bar quando foi surpreendida por um: -Você não concorda? A guria hesitou, pigarreou, mediu as palavras e saiu-se com um diplomático: -Veja pai, depende da visão de cada historiador, algumas coisas podem mudar, outras não, é certo que o Black Sabbath tem a veia heavy metal, ninguém pode negar. -Tá filha, mas eu estou falando da mutabilidade das verdades “absolutas”, não só sobre estilo musical ‒ reafirmou, procurando extrair algo da filha que o fizesse compreender e validar o próprio raciocínio. A resposta foi mortal e incompreensível: -Sabe pai, eu sou de Câncer, eu me adapto! E sedimentou no pai a sensação de que os tempos se movem feito os vendavais, arrancando certezas, impiedosamente.
Mais do que nunca, Antônio, proto-heavy metal, sentiu-se velho, muito velho... e percebeu no seu íntimo que o suceder metódico dos dias que lhe esboroara a juventude, já começava a carcomer, inexoravelmente, também o professor e suas certezas professorais.
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