Crônicas do outro dia - A fila do caixa do mercado

CRÔNICAS DO OUTRO DIA (31/03/2018)
Juliano De Ros


A fila do caixa do mercado

   Fim de tarde no grande supermercado. Cansado pelo dia de trabalho, dirijo-me rapidamente para a fila do caixa, portando a cestinha com meia dúzia de alimentos para um café travestido de janta. Apesar dos esforços da operadora, a fila flui lenta; sistema eletrônico congestionado pelo número de clientes pré-Páscoa.
   À minha frente, um cliente já efetuando o pagamento e uma mocinha aguardando com seu carrinho. O caixa é para quem leva até dez itens, algo que aparentemente estaria sendo respeitado no carrinho da moça. Mas, chegada sua vez, ela começa a dispor as mercadorias sobre a esteira do caixa e, sob dois objetos mais volumosos, eis que aparecem alguns sabonetes e outras coisas pequenas, configurando a transgressão. Estimei grosseiramente um total de quinze a dezoito itens. Nada que fosse digno de nota, para mim.
   Imediatamente atrás, um senhor alto, aparentando uns quarenta e cinco anos, disparou:
  • Tem gente que não aprendeu a contar!
   No que virei-me, ele indicou a compra da mocinha sobre a esteira, com olhar reprovador. Assenti com um dar de ombros e um "é" quase inaudível. A mocinha virou-se e justificou, com voz angelical, o carrinho embicado fora da fila, quase ao meu lado:
  • É que eu não queria passar o carrinho.
   Hã? Ela está com mais mercadorias que as admitidas nesta fila e justifica com um "eu não queria passar o carrinho"?! O que tem a ver uma coisa com a outra? Nem terminei de me admirar e o senhor atrás de mim lança um furioso:
  • É! Tem gente que não se emenda! Esse caixa é para até dez unidades!
   A moça virou-se com cara de espanto e entoou um sincero "desculpe", ao que esbocei o aceite com os olhos, apesar de não ser o autor do protesto. O senhor de trás inflamou-se e proferiu:
  • Você atropela alguém na rua e depois vem pedir desculpas! Como se isso isso bastasse?! É por isso que o governo está cheio de corruptos... com esse tipo de atitude o país não vai mudar nunca!
   A mocinha virou as costas para não encarar o opositor e efetuou o pagamento com pressa, enquanto eu interpunha-me entre o caixa e o senhor irado, que continuava em atitude e discurso constrangedores.
   Saí mais triste do mercado. Saí de lá meditando na reprimenda desproporcional à falta. Saí ciente de que a intolerância pode ser erro mais grave que o deslize intencional, ou não, de exceder o número de produtos do caixa rápido do mercado. Certo de que a justiça à ponta de faca não construirá um futuro melhor para todos nós.

Comentários

  1. Para pensar sobre o nosso comportamento perante os dilemas do mundo moderno!

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  2. Para pensar sobre o nosso comportamento perante os dilemas do mundo moderno!

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  3. Com esse fato do dia a dia, percebe-se que as pessoas estão deixando de lado coisas muito simples como a paciência, o respeito e a educação.

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    1. É verdade! A falta de tolerância para com os outros é algo que me inquieta, na sociedade moderna.

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  4. Gostei bastante! Mas sera que nós temos que nao tolerar os intolerantes? Seria um paradoxo perverso hahaha

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    1. Lu! O que percebo atualmente é um crescente manifestar de que as coisas só tem solução com atos revestidos de violência. Mas não esqueçamos que violência gera violência, e não converge para os paradigmas sustentáveis e pacíficos da vida em sociedade. Abraço!

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  5. Bem verdadeiro. Em geral as pessoas andam com os nervos aflorados, sem tolerância e paciência ! Beijos .

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    1. Estes nossos tempos estão pedindo mais amor e compreensão entre as pessoas.
      Beijos!

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